Descarbonização da Agropecuária Brasileira

Susian Martins, Roberto Strumpf, Pelerson Penido, Eduardo Assad

O GRANDE DESAFIO DO SETOR AGROPECUÁRIO É DESACOPLAR A PRODUÇÃO DE ALIMENTOS DO DESMATAMENTO E
FOCAR NA MELHORIA DA PRODUTIVIDADE, PROMOVENDO UMA MAIOR RENTABILIDADE AO PRODUTOR E UMA SÉRIE DE
COBENEFÍCIOS SOCIOAMBIENTAIS.

A MELHOR solução para superar tal obstáculo é por meio da implementação de boas práticas agrícolas, as quais possibilitam sistemas eficientes, diversificados e integrados, associados à conservação da vegetação nativa, à regeneração do solo e a demais serviços ecossistêmicos. Com isso, o produtor reduz a pegada de carbono do seu produto final, aumenta a sua competitividade no mercado internacional e, consequentemente, gera excedentes econômicos que possam garantir maiores níveis de bem-estar social.

O início desse protocolo consiste em uma boa mensuração do balanço de carbono da propriedade, a qual gera informações valiosas para a tomada de decisão do produtor, a valoração do produto e a prestação de contas às partes interessadas. Esse é o trabalho que vem sendo implementado pelo Grupo Roncador nas fazendas Roncador (Querência-MT) e Mantiqueira (Pindamonhangaba-SP), incluindo em sua agenda as questões climáticas de forma a se preparar para os riscos e identificar as oportunidades.

Assim, buscou-se reconstruir o histórico de emissões e remoções nessas fazendas. A Fazenda Roncador tem extensão de 147.462 hectares, dos quais praticamente metade é de vegetação nativa (transição entre Cerrado e Amazônia). Antes de 2008, a área produtiva da propriedade era praticamente ocupada por pecuária de ciclo completo extensiva sobre pastagem degradada. A partir desse ano, foram iniciados o plantio de soja e um processo de intensificação na produção.


Já a Fazenda Mantiqueira tem 3.300 hectares, sendo 2.200 hectares com pecuária de ciclo completo e 400 hectares com integração de milho e soja. Os resultados obtidos na Fazenda Roncador retrataram as consequências da transição intensa no uso do solo implementada na propriedade. Em um período de aproximadamente doze anos, a propriedade reduziu drasticamente a sua dependência da pecuária e zerou a sua área de pastagens degradadas. Com isso, aumentou a sua produtividade por hectare, a diversidade de produtos e, concomitantemente, a remoção e a fixação de carbono nos solos, demonstrando que o carbono pode ser utilizado como um importante indicador de bom manejo, por representar uma intensificação sustentável no campo (vide Tabela 1).

No período avaliado, conforme apresentado na Figura 1, à medida que o balanço de GEE se torna mais negativo (isso equivale a uma menor emissão), a produção de carne e grãos cresce significativamente ao longo dos anos-safra.
Na Fazenda Mantiqueira, ficaram evidentes as consequências das boas práticas para fins de alta produção de alimentos por meio de uma abordagem sustentável, mais uma vez indicada pela maior remoção do que emissão de carbono biogênico (Tabela 2).

Ambas as propriedades caminham para um cenário com múltiplos benefícios para o produtor e a sociedade:

• Ao implementar sistemas integrados, aumentam a produtividade por unidade de área e se tornam mais resilientes aos prováveis impactos das mudanças climáticas, por terem maior diversidade produtiva. Esse processo aumenta, também, a rentabilidade do agricultor, que se torna mais resiliente financeiramente.

• Com o aumento de produtividade e rentabilidade, há uma menor pressão pela abertura de novas áreas de vegetação nativa, mantendo uma gama de serviços ambientais locais (recursos hídricos, polinização, beleza cênica) e globais (redução do desmatamento e das emissõesde GEE atreladas).

• Nesse processo, passam a remover uma quantidade substancial de carbono da atmosfera, contribuindo para os esforços globais de mitigação da crise climática.

Desta forma, os resultados obtidos comprovam o potencial das boas práticas agropecuárias, em especial nos sistemas integrados, de produção de alimentos aliada à remoção de quantidades consideráveis de carbono da atmosfera.

Ademais, não podemos nos esquecer de que os reservatórios de carbono na fazenda, quando bem manejados, tendem a um novo equilíbrio em algum momento após a implantação do sistema. Ao atingir esse limite, a propriedade passa a ser um grande reservatório de carbono, contribuindo, ainda, para a mitigação das mudanças climáticas.

A continuidade no acompanhamento do balanço de emissões é recomendada para: fortalecer essas evidências; identificar com maior precisão a correlação entre as decisões de manejo com remoção de carbono no solo e a intensificação sustentável; influenciar positivamente outros atores do setor a incorporarem essas práticas; receber o reconhecimento no mercado pelo diferencial de sustentabilidade dos produtos do Grupo Roncador; e, futuramente, poder operar em um possível mercado de Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA).

Recorte de matéria da revista AGROANALYSIS, Fundação Getulio Vargas | VOL. 42 | Nº 3 | MARÇO 2022