Agronegócio: Campo precisa cuidar do meio ambiente – Valor Econômico

Para continuar crescendo e ser sustentável, setor tem de combater o desmatamento e queimadas.

Por Janice Kiss, Para o Valor

O agronegócio tem um lado que desconhece tombos há anos. Agora, em plena pandemia, a atividade de novo mostra sua resiliência: o Produto Interno Bruto (PIB) do setor cresceu 5,26% no primeiro semestre de 2020 em relação a igual período de 2019, segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/Esalq/USP) em parceria com a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).

O aumento é o maior registrado em um primeiro semestre desde 1995, quando teve início a série histórica do PIB. Para o Cepea e a CNA, safra recorde de grãos, demanda internacional crescente – soja, açúcar e carnes – e câmbio favorável são apontados como a sustentação do crescimento. Eduardo Sampaio, assessor da Secretaria de Relações Internacionais do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), afirma que “a moderna produção rural é em grande medida o resultado dessa performance”.

Esse círculo virtuoso reflete no desempenho das 220 empresas que atuam no universo do agronegócio listadas no ranking do Valor 1000, em 16 de 25 setores presentes na publicação, no que se refere ao crescimento, por exemplo, da receita líquida (8%), lucro da atividade (4,5%), geração de caixa operacional medida pelo Ebtida (11,3%) e lucro líquido (70,4%), no conjunto das mil maiores.

Do campo, porém, não há só boas notícias. O desmatamento em alta, o fogo que consome o Pantanal e a Amazônia e a ameaça crescente de boicote internacional puxado pelas redes varejistas europeias são questões caras ao agronegócio. O fogo, no caso brasileiro, é usado como prática histórica para limpar pastagens ou transformar áreas griladas em pasto. “O agro não pode ser penalizado por ações ilegais associadas à especulação e grilagem de terras de áreas públicas”, diz João Adrien, chefe da assessoria de assuntos socioambientais do Mapa.

Mas para Tasso Azevedo, engenheiro florestal que coordena o MapBiomas Alerta, refinado sistema de validação de desmatamento em todo o Brasil operado por muitas instituições, “o setor precisa combater radicalmente o desmatamento e fazer pressão para uma virada de mesa”. Um dos levantamentos aponta que o Brasil perdeu 87,2 milhões de hectares de áreas de vegetação nativa – 10,25% do território nacional – nos últimos os 34 anos. Porém o ritmo se intensificou entre 2018 e 2019.

Além da perda da vegetação e da biodiversidade, o desmatamento acentua as mudanças climáticas que ameaça a produção de alimentos e prejudica o agronegócio. “A comida nasce no campo, que depende de solo fértil e água”, diz Daniela Teston, gerente de engajamento corporativo da WWF-Brasil. Segundo ela, o país tem importante papel na regulação do clima por causa das florestas. “A preservação delas é crucial para a manutenção dos processos biológicos e climáticos que levam chuvas para as lavouras e abastecem os reservatórios para a segurança hídrica, energética e alimentar do país.”

Caminhar no sentido oposto contraria uma série de compromissos assumidos pelo país. Em 2016, o Brasil assumiu a meta durante a Convenção do Clima das Nações Unidas, no Acordo de Paris, a zerar o desmatamento ilegal até 2030. Internamente, o Plano Plurianual (PPA), aprovado pelo governo federal em dezembro de 2019, tem como meta reduzir o desmatamento e as queimadas ilegais no país em 90% até 2023.

Esta crise que promove um desgaste na imagem do setor e do país – investidores internacionais acenam com preocupação sobre as questões ambientais – gera movimentos em busca da conciliação entre preservar e produzir. A Coalizão Clima, Florestas e Agricultura, movimento que reúne 230 representantes do agronegócio, bancos (Bradesco, Itaú Unibanco e Santander), Terceiro Setor e academia, apresentou ao governo federal seis medidas que podem reduzir de forma imediata e permanente o desmatamento.

Na análise de Marcello Brito, cofacilitador da Coalizão Brasil e presidente da Associação Brasileira de Agronegócio (Abag), as questões ambientais e climáticas receberão cada vez mais avaliações financeiras de bancos e fundos, por exemplo. “É por esse processo que os investimentos vão passar.” Além do “trajeto do dinheiro”, ele alerta para a mudança no consumo com a geração Z (nascidos entre o fim da década de 1990 e 2010), que atribuiu ao meio ambiente um valor para suas escolhas. “O país tem potencial para ser líder agroambiental, só precisa escolher a posição que quer ocupar.”

O caminho que o alimento percorre do campo à mesa nunca esteve tão presente no dia a dia do consumidor. Em relação à carne, o gado tem um papel no ciclo do desmatamento – começa com a abertura da floresta por madeireiros, passa para a pecuária e depois para a sojicultora. Para comprovar que é possível monitorar a origem da carne na Amazônia e no Cerrado, a Coalizão Clima, Florestas e Agricultura lançou um estudo sobre a rastreabilidade da cadeia da carne bovina elaborado pela consultoria Agrosuisse em parceria com associações, universidades, ONGs e empresas. “O estudo mostra que é possível produzir sem desmatamento ilegal e com monitoramento”, diz Brito.

Uma das empresas que integram este projeto é o frigorífico Marfrig, que lançou a carne carbono neutro. Em parceria com a Embrapa Gado de Corte (MS) e investimentos de R$ 10 milhões, essa nova linha de carnes (21 cortes), por enquanto presente em uma rede de supermercados, é proveniente do gado criado em sistema integração pecuária-floresta (IPF) ou lavoura-pecuária-floresta (ILPF). Por ora, a produção é feita ao longo de 1,5 mil hectares na Fazenda Santa Vergínia, em Mato Grosso do Sul (MS). Paulo Pianez, diretor de sustentabilidade da Marfrig, conta que para a carne ser carbono neutro é preciso que o eucalipto (floresta plantada) seja destinado para movelaria, e não para celulose, porque seria queimado e emitiria CO2. Ele reconhece que a entrada no mercado será feita aos poucos para que o público entenda o conceito do produto. “É uma combinação de árvores e pecuária, que oferece melhores condições ambientais aos animais (pasto à sombra e capim mais rico) e vai dar origem a uma carne de melhor qualidade.”

A ILPF compõe o portfólio de tecnologias do Plano de Agricultura de Baixo Carbono (Plano ABC), que completa uma década. Ao longo desses dez anos, 32 milhões de hectares se encontram em processo de recuperação. Por meio de linha de crédito específica, os produtores se comprometem a adotar ações de mitigação de gases de efeito estufa (GEE) em suas propriedades. Para a safra 2020/2021, o Mapa destinou R$ 2,5 bilhões, com taxas de 4,5% a 6% ao ano. O montante de recursos é 19% superior que o do ciclo 2019/2020. Segundo Eduardo Assad, pesquisador da Embrapa, falta pouco para colocar em prática o sistema que monitora, verifica e reporta (MRV) a redução de emissões. “É o setor privado que está buscando a mudança.”

Há dois anos, quando Pelerson Penido Dalla Vecchia bateu à porta do pesquisador, ele buscava entender o balanço das ações que havia implementado no grupo Roncador – fazenda com 152 mil hectares, em Querência (MT), no Vale do Araguaia. Metade deles é composta por matas nativas e áreas de preservação permanente. Dos 76 mil hectares produtivos, 26 mil são de pecuária, 30 mil de sistema integrado entre lavoura e pecuária (soja e boi) e os outros 20 mil hectares formam uma joint venture com o grupo SLC para produção de soja e milho.

Dez anos antes, a propriedade, fundada na década de 1970, enfrentava o esgotamento de suas terras e perda de lucratividade. “Havia sido adotado um modelo antigo de produção baseado no uso excessivo de agrotóxicos”, diz Dalla Vecchia, que comandou a guinada. A integração lavoura-pecuária permitiu que as produções de carne subissem 30% e de soja, 405%, houve redução no uso de defensivos agrícolas, adoção do controle biológico e a Roncador passou a capturar gases de efeito estufa – quase 90 mil toneladas de CO2 na safra 2017/2018, equivalente a 51 mil carros rodando por um ano. “Achava que estava no caminho certo, mas queria a comprovação.” Sempre que lhe pedem conselhos, ele orienta agricultores a abrir mão de velhos conceitos e entender que eles são gestores da terra, “logo a responsabilidade é nossa”. Conciliar produção com preservação será, segundo Dalla Vecchia, uma exigência intensificada do mercado. O produtor toma de exemplo o próprio grupo Roncador, que obteve durante o ano um empréstimo de US$ 10 milhões do fundo holandês & Green, com juros de 2,95% ao ano.

Foi o fundo que procurou a Roncador, mas as negociações não foram simples. Eles avaliaram pesquisas, certificações, boas práticas e, inclusive, a presença de onças pintadas – indicação da qualidade da biodiversidade das matas de uma propriedade. A fazenda, que mantém um viveiro com 44 mil espécies nativas, foi a primeira no país a obter o certificado de proteção aos felinos. No Mato Grosso surgiu o Instituto Produzir, Conservar e Incluir (PCI), uma parceria entre o governo do Estado, o setor privado e a sociedade civil em busca de modelos sustentáveis de produção. Segundo Fernando Sampaio, diretor executivo, as metas são combater o desmatamento ilegal, aumentar a produção por melhoria da produtividade da pecuária e a expansão de área de grãos sobre aquelas já abertas. Há outros desafios como o de apoiar a agricultura familiar e populações tradicionais e indígenas no acesso ao crédito, assistência técnica e regularização fundiária e ambiental. “A nossa função é captar investimentos e coordenar estratégias.” Para o futuro, diz Sampaio, não cabe mais o Estado ser conhecido apenas pela produção de commodities – quiçá o Brasil.